segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O "CENTRÃO" É UMA FARSA

Virtus in medium est. A afirmação, famosa na ciência política, é de Aristóteles. “A virtude está no meio”, dizia o filósofo grego. No contexto de sua filosofia (neste caso, especialmente sua teoria da ética), a frase indica a importância que Aristóteles dava à temperança, ao equilíbrio, à capacidade de manter-se longe dos extremos, que ele considerava vícios. É no “meio” que se encontra a sabedoria, a virtude.

Entre morrer de fome por comer pouco ou de obesidade por comer demais, é sábio (ou “ético”, nos termos aristotélicos) alimentar-se na medida certa. Entre ser um covarde e não conseguir nenhum feito na vida e ser corajoso em excesso, flertando com a temeridade pela qual pode-se acabar morto, a coragem está em manter-se equilibrado, em avaliar cada situação e agir de acordo com a razão e a lógica, controlando, racionalmente, o medo. Entre não ter amigos e amargar uma vida solitária e ter tantos ao ponto de não poder dedicar-se a nenhum deles adequadamente, a sabedoria está em ter poucos e verdadeiros amigos, com os quais se pode contar sempre.

O “meio”, portanto, nos termos de Aristóteles, é uma posição racional, estratégica, pautada pelo equilíbrio entre extremos. Em nada se assemelha ao oportunismo que geralmente caracteriza o “meio” na política brasileira, mais conhecido como “centro”. É justamente o oposto de ficar “em cima do muro” para poder se inclinar para o lado onde as oportunidades parecem mais vantajosas, ao velho estilo (P)MDB de “não precisar governar para estar sempre no governo”.

Na teoria política, de Aristóteles até nossos dias, o “centro” é tido como uma posição intermediária, com convicções e ideias que se colocam “entre” os extremos. Entre o radicalismo neoliberal da extrema direita e o comunismo revolucionário da extrema esquerda, o centro representaria uma tentativa de equilíbrio, marcado por visões de mundo e programas de governo que tentam combinar liberdades econômicas com programas sociais e certa musculatura estatal. Quando essa posição intermediária se inclina um pouco mais na direção dos preceitos neoliberais, então temos posições (e partidos) de centro-direita. Quando a inclinação aponta para o lado oposto, temos posições (e partidos) de centro-esquerda.

Bem, isso no campo teórico. E em casos de democracias mais consolidas, com partidos mais enraizados socialmente, como em países – não todos – europeus.

No caso brasileiro, a coisa é bem diferente. Por aqui já é difícil falar em esquerda e direita, dada a confusão de visões de mundo e “bandeiras” defendidas por partidos que se colocam em um ou outro lado do espectro ideológico, como o caso da direita que se diz “liberal na economia, conservadora nos costumes”, sem se preocupar com a completa falta de sentido do slogan. Imagine, então, como é difícil falarmos em “centro”.

Para piorar um pouco as coisas, partidos que, em termos estatutários, seriam defensores de posições de “centro”, na prática se afastam deliberadamente dessa posição. É o caso do PSDB. Em termos de preceitos ideológicos, a socialdemocracia, movimento surgido na Europa e politicamente muito importante no velho continente, é de centro (de centro-esquerda, para ser preciso). Mas por aqui, representada pelo PSDB, tornou-se símbolo de políticas neoliberais e sigla partidária concentradora de lideranças típicas da direita.

O “centro”, então, no caso brasileiro, passou a ser associado não a uma posição política minimamente delimitada e identificável, mas a um movimento pautado pelo pragmatismo de interesses oportunistas cuja marca fundamental é exatamente a completa ausência de qualquer princípio ideológico.

Na sua esmagadora maioria, os políticos do chamado “centrão” são, na verdade, vinculados a partidos ideologicamente de direita (considerando-se os preceitos estatutários), como é caso típico do PP.

Contudo, não é o partido o elemento definidor do pertencimento ao “centrão”, embora siglas como MDB e DEM, além do PP, abriguem a maior parte de seus representantes. Esse é um movimento muito mais ligado a estratégias pessoais dos agentes políticos, especialmente parlamentares. Por isso geralmente não se fala em “partidos do centrão”, mas em “políticos do centrão”.

O termo remete a um grupo de políticos que atuam com base no fisiologismo, apoiando qualquer governo disposto a lhes proporcionar benesses do Estado: cargos para seus apadrinhados políticos, emendas orçamentárias para seus redutos eleitorais, políticas que favoreçam seus financiadores ou segmentos específicos de eleitores que os apoiam.

O “centrão” não tem ideologia, não defende bandeira política, não tem ideias e projetos sobre temas específicos da gestão pública. Não segue princípios políticos ou éticos, nem defende visões de mundo minimamente coerentes. É um movimento orientado por interesses político-eleitorais imediatos, fisiológico, comprometido com seus próprios projetos pessoais de poder.

Por isso, não tem qualquer pudor em defender e apoiar o governo de plantão, seja ele de esquerda, de direita, autoritário, incompetente, lunático. Se o presidente do momento estiver disposto a distribuir cargos, verbas e algum “prestígio” aos seus integrantes, ele terá o apoio maciço do “centrão”. Apoio que pode ser para aprovar leis e projetos desastrosos para o país ou para livrá-lo de eventual processo de impeachment. O mérito das causas não tem qualquer importância. O que conta é a recompensa disponível. E se ela for atraente, o “centrão” estará sempre disposto a dar sustentação aos projetos do executivo, por mais nefastos e autoritários que possam ser.

O “centrão” é, portanto, uma das maiores ameaças ao nosso regime democrático. E seria muito importante que a mídia e todos nós parássemos de (re)tratá-lo com ironia e chacota e reconhecêssemos em sua atuação o que há de pior em nossa democracia.

O “centrão” precisa ser levado a sério não por causa suas ideias, porque não as tem. O “centrão” precisa ser levado a sério porque não vê problema nenhum em ser o fator decisivo para a concretização de qualquer projeto antidemocrático, desde que vislumbre alguma vantagem. Isso o torna tão perigoso quando o governo disposto a comprá-lo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário