terça-feira, 24 de maio de 2022

A TERCEIRA VIA É SÓ MAIS UMA FAKE NEWS

 

Está chato assistir telejornais e ler colunas sobre política no Brasil. Obcecado por mantras, o jornalismo brasileiro, em sua maioria, parece incapaz de tratar do cenário politico e das eleições deste ano sem cair, já no segundo parágrafo, no discurso pronto da polarização e – por consequência – da terceira via.

O termo “terceira via” se popularizou durante o governo de Tony Blair, Primeiro Ministro do Reino Unido entre 1997 e 2007, pelo Partido Trabalhista. Tendo como um de seus principais conselheiros o conhecido sociólogo Anthony Giddes, o governo Blair foi marcado por uma posição centrista focada na conciliação institucional e na tentativa de combinar elementos do liberalismo econômico (direita) com políticas progressistas de amparo social (esquerda).

Dentre os marcos de seu governo, além de um robusto crescimento econômico do Reino Unido, está a instituição de um salário mínimo nacional e de políticas de amparo e assistência à população. O movimento por ele liderado foi basicamente um processo político de retomada dos ideais da socialdemocracia, enfraquecida após a era Thatcher, consolidando-a como alternativa político-ideológica à polarização entre (neo)liberalismo e socialismo. O sentido da terceira via estava em ser, politicamente, uma alternativa entre dois modelos extremos: um de direita, representado pela radicalização dos ideais do neoliberalismo, e outro de esquerda, representado pelos movimentos socialistas.

Mas, então, o que a tão aclamada terceira via brasileira propõe e contra quais polos opositores pretende se apresentar como alternativa? Ora, para responder a tal pergunta é preciso responder a outra que lhe é anterior e condicionante: quais seriam os dois polos opostos em disputa no cenário político eleitoral do Brasil em 2022? E é aí que a fake news aparece.

É preciso uma grande dose de ingenuidade, somada a um profundo desconhecimento histórico, para tomar Lula e Bolsonaro como “polos opostos” do espectro político. Ou alguém, além das hostes de robôs do gabinete do ódio, realmente acredita que Lula representa o comunismo e a ruptura com a democracia liberal?

Lula perdeu três eleições presidenciais (1989, 1994, 1998) e nunca questionou o sistema eleitoral, as urnas ou o sistema de contagem dos votos.

Com Lula e Dilma, o PT governou o Brasil por 13 anos. Durante esse período não houve qualquer iniciativa de ruptura do modelo capitalista ou da institucionalidade democrática.

Parcela da elite política do primeiro governo Lula caiu com o escândalo do mensalão, e Lula não avançou sobre o judiciário para defender seus aliados. Lula foi impedido de assumir ministério no Governo Dilma por causa da liberação ilegal de escuta telefônica divulgada contra decisão do STF por Sérgio Moro e nunca ameaçou o sistema de justiça ou atentou contra ele. Lula foi levado a depor por meio de condução coercitiva ilegal (medida que serve para levar a justiça quem se nega a comparecer mediante convocação, que nunca foi seu caso), e jamais atacou as instituições do direito ou da democracia brasileira. Lula foi impedido de concorrer nas eleições de 2018 por um juiz que assumiu ministério no governo do candidato beneficiado por suas decisões, na expectativa de ser nomeado para a Suprema Corte, mas nunca atacou nem incentivou ataque ao sistema judiciário.

Dilma Roussef teve seu mandato cassado por motivo jurídica e politicamente insignificante, lutou e esperneou durante todo o processo, mas nunca questionou a democracia e o sistema político que abreviou seu governo. Dilma é até hoje hostilizada em espaços públicos e acusada de ser responsável pelo preço da gasolina (pois é!), mas continua defendendo a democracia e o próprio parlamento que a derrubou.

Durante os governos do PT bancos bateram recordes de lucro, empresas cresceram, o agro expandiu. As grandes fortunas não foram taxadas, não houve confisco de bens nem ameaça à propriedade. Pelo contrário, brasileiros que nunca foram proprietários de nada tiveram oportunidade para conquistar diploma, adquirir casa própria e comprar automóvel. Tudo isso dentro das mais clássicas cartilhas do capitalismo.

Não se trata de defender este ou aquele modelo de governo. Não se trata de avaliar os resultados econômicos desse ou daquele período. Nas eleições deste ano, só há um candidato que não reconhece a democracia da qual é fruto. Só há um candidato que contesta as eleições mesmo antes de elas ocorrerem. Só há um candidato que ataca as instituições democráticas todos os dias e o dia todo. Só há um candidato que usa a estrutura do Estado para perseguir adversários e críticos do seu governo. Só há um candidato que diz aos quatro ventos que um golpe está no seu horizonte de possibilidades. Só há um candidato que desafia o judiciário e se nega a cumprir decisões que lhe desagradam. Só há um candidato que ataca as instituições democráticas, defende ditadura e idolatra torturador.

E, ora, vejam só: em 2018, no segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, a exceção de um dos candidatos que viajou a Paris, todos os outros que hoje se apresentam como terceira via apoiaram.... hum... Bolsonaro!

A autointitulada terceira via não passa de bolsonarismo ressentido que usa sapatênis. Não temos candidaturas que representem os extremos ideológicos. Por isso, não faz nenhum sentido falarmos em terceira via que, por definição, seria a alternativa “moderada” entre aqueles extremos... que não existem. Ora, entre as candidaturas que se apresentaram até agora, só há um extremo: a extrema direita, golpista e autoritária, representada pelo bolsonarismo. As candidaturas que se autointitulam terceira via são também da direita, embora com aparência mais cheirosa e alguns modos à mesa.

Qual o plano de governo da terceira via? O que ela defende? Em que acredita? Qual modelo econômico pretende implantar? Ninguém sabe, é claro. Nem a mídia que faz de tudo para emplacá-la; nem a própria terceira via. Porque a terceira via não se define pelo que é e pelo que defende. Ela se define pelo nojo à figura de Bolsonaro e pelo antipetismo. Ela se define por representar o modelo econômico em vigência, porém com vergonha de embarcar, como em 2018, no projeto político que hoje o representa.

Ou seja, a terceira via quer a continuidade da política econômica bolsonarista, mas sem a truculência e a falta de modos de Bolsonaro. Por isso tem o apoio da grande mídia e da elite do país. Essa elite tem nojo de Bolsonaro, mas ama e precisa da sua política econômica para continuar acumulando fortuna. Por isso sua aposta nessa via que não tem nada de terceira, pois não passa de segunda opção do bolsonarismo.

A socialdemocracia, originalmente defendida pela terceira via de Tony Blair, tem justamente no PT e em Lula seu candidato mais próximo. Se quisermos realmente falar em terceira via, essa seria a candidatura de Lula, como alternativa a dois modelos de direita: um declaradamente autoritário e outro supostamente mais soft por dominar algumas regras de etiqueta. Mesmo quando se inclui Ciro Gomes na equação, indo além de seus discursos agressivos e xingamentos corriqueiros e olhando para suas propostas de governo, veremos que, ideologicamente, ele deveria ser colocado à esquerda de Lula. Sim, pelo que se apresentou de proposta até agora, Ciro está à esquerda de Lula.

A terceira via, seja qual for o candidato que a “encarne” dentre os até agora apresentados (Doria? Leite? Tebet?), é fake. A quem interessa a manutenção dessa farsa – política e discursiva – e até quando ela será sustentada pela grande mídia nacional, é pergunta muito mais importante para ser respondida do que “prever” quem será seu candidato definitivo.

3 comentários:

  1. Muito bom! De fato, a 'terceira via' é fake!!

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  2. Interessante! Mesmo que 90% dos analistas políticos no Brasil ignoram Ciro Gomes, você foi honesto em colocá-la à esquerda de Lula, pois, Ciro é o único candidato a propor um modelo econômico diferente do que está em vigor desde FHC. Ciro seria a alternativa para mudar o país, enquanto que também Lula representa a continuidade dos privilégios da elite.

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