As universidades públicas no Brasil, especialmente as federais, estão sob ataque. Parte da sociedade, influenciada por mentiras (sim, é isso que as fake news são), por movimentos tanto orquestrados quanto mal intencionados cujo objetivo último é eliminar o pensamento crítico e autônomo, vê na ciência e no seu ensino algo inútil, desnecessário e até mesmo ameaçador.
Para piorar o quadro o próprio governo federal, sentindo-se ameaçado pelo livre pensamento e pelo uso da razão, alimenta o discurso nada desinteressado centrado em uma imagem falsa das universidades, como se essas fossem centros de reprodução em massa do socialismo, porque vê nelas instituições capazes de desmistificar o simplismo que seus apoiadores insistem em imputar ao mundo, à sociedade e aos seus problemas.
Basta um rápido olhar sobre os motivos e as intenções que orientam os ataques às universidades para deduzir (sem desconsiderar que “deduzir” é um processo racional, portanto algo em declínio em nossa sociedade) que nunca precisamos tanto delas como agora.
As universidades federais não pertencem a um governo. Elas são instituições do Estado Brasileiro. Portanto, pertencem ao povo brasileiro, e desempenham papel absolutamente fundamental na produção e disseminação de conhecimentos sem os quais nenhuma sociedade será capaz de se desenvolver e melhorar a vida dos seus cidadãos. Seu papel não é reproduzir as convicções ideológicas, as visões de mundo e as crenças religiosas do governo de plantão; é produzir e disseminar conhecimento científico, ensinar a pensar, proporcionar autonomia de pensamento, democratizar o acesso crítico à informação.
Em tempos onde a redes sociais edificam visões de mundo maniqueístas, simplistas e superficiais, cabe à ciência o papel de desvendar a complexidade dos fenômenos, de propor formas alternativas de perceber e explicar o mundo, de promover a busca organizada e metódica pelo conhecimento.
Não se trata de afirmar que exista uma verdade definitiva sobre as coisas, mas de assumir o compromisso de pensar o mundo com rigor, critério, método e responsabilidade. Esse é o compromisso das universidades ao formar pessoas e ensiná-las a compreender, por si mesmas, o lugar e o tempo onde vivem.
É historicamente recorrente o fato de governos autoritários atacarem as universidades, os professores, os intelectuais, os artistas. É da natureza desses regimes o combate ao livre pensamento. Mas é da natureza das universidades resistir ao autoritarismo, à censura e à imposição de ideologias contrárias à diversidade de costumes, de ideias e de formas de pensar e viver.
Eis, aí, a essência do paradoxo: quanto mais o simplismo e a mediocridade atacam a ciência e as universidades, mais isso precisa ser compreendido como indicador de que a sociedade precisa de ciência e de universidades. Os raciocínios maniqueístas que opõem bem e mal, certo e errado, liberal e comunista, são típicos de uma cultura da ignorância, da preguiça mental e do ódio ao pensamento. Essa cultura nutre o desprezo pelo debate e pelo raciocínio detalhado, e prega o ataque a qualquer um que ouse apontar para a complexidade dos fenômenos.
Pelo simples fato de pensar e de ensinarem a pensar, as universidades e seus profissionais se tornaram, de repente, alvo da mediocridade que vê no pensamento divergente algo a ser destruído, aniquilado. Assim, os medíocres concebem um mundo onde só existem duas opções possíveis: ou se concorda com eles, ou se é inimigo deles. E como para os medíocres os “inimigos” devem ser destruídos porque representam o mal que ameaça seu pretenso monopólio sobre a representação dos interesses dos “homens de bem”, a violência surge como meio justificado de disseminação de sua ideologia.
É nesse cenário que as universidades têm papel de absoluta centralidade. Elas são vanguarda do pensamento livre, do entendimento profundo da sociedade e de seus dilemas. A diversidade de ideias é sua espinha dorsal, e o respeito à pluralidade de interpretações o seu coração pulsante.
Defender as universidades e aquilo que elas representam é, hoje, mais do que uma opção política. É assumir o compromisso de preservar uma das instituições mais fundamentais da sociedade contemporânea, sem a qual estaremos condenados ao mundo do simplismo, do maniqueísmo e da mediocridade generalizada.
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