Proponho aos raros
leitores um exercício. A partir de uma lista de características de seu governo
e de sua situação política recente, que passaremos a descrever, tentemos
deduzir de qual país estamos falando.
O presidente desse
país é uma mistura de líder messiânico com caricatura de super-herói. Governa
apostando na radicalização ideológica, em teorias conspiratórias, na
deslegitimação dos partidos e das instituições políticas tradicionais e no
ataque às “elites” do país.
Se apresenta como
alguém que vem de “fora do sistema” e, portanto, imune ao seu “modo corrupto de
funcionar”. No lugar de grandes reformas estruturais, prefere a implantação de
políticas pontuais e de forte cunho ideológico, voltadas a segmentos sociais
específicos e essencialmente populistas. O combate aos inimigos ideológicos,
reais ou imaginários, é sempre mais importante do que implantar políticas voltadas
aos grandes problemas do país.
O governo conta com
forte apoio de lideranças militares, que além de contribuírem ocupando cargos
de comando, emprestam ao presidente uma aura de moralidade e patriotismo com a
qual reforça seu messianismo e, por consequência, sua popularidade.
A crítica ao governo
é sistematicamente tomada como afronta à vontade do povo “manifesta nas urnas”.
Jornalistas e intelectuais – com destaque para professores – são acusados de
serem contra o governo e, portanto, contra o povo, de não serem produtivos e de
tratarem de temas irrelevantes para a sociedade. Políticos de oposição são
associados a organizações internacionais voltadas ao domínio da nação que
buscam exploração de seus recursos naturais.
Incapaz de garantir a
segurança da população, o governo prega que as pessoas devam se levantar e
lutar, pela própria segurança e pelo governo, sempre apresentado como vítima de
conspirações e ataques, da oposição e de organismos internacionais mal
intencionados. Se para isso for necessário que a população se arme, então deve
fazê-lo, sob o abrigo da lei, mesmo que lhe falte emprego e dinheiro para
comprar pão.
O Poder Legislativo é
frequentemente desqualificado, cooptado e acusado de pensar mais em si mesmo do
que no povo. O Judiciário, em sua maior parte, atua de forma enviesada em favor
do governo, seja fazendo vistas grossas aos crimes e desmandos que ele comete,
seja atropelando a lei e os processos para criminalizar e condenar opositores.
A Suprema Corte do
país é progressivamente acuada, pelo governo e pela opinião pública por ele
manipulada com a ajuda de apoiadores influentes. Seus integrantes são acusados
de conspirarem em favor dos “corruptos”, e tentativas de recomposição de seus
quadros em favor de nomes ligados ao governo são cada vez mais frequentes.
Acredito que já é
suficiente. A essa altura já é possível que cada leitor tenha imaginado de quem
falamos. Os que imaginaram Nicolás Maduro e seu desastroso governo na Venezuela
acertaram. Como também acertaram aqueles que deduziram estarmos falando de Jair
Bolsonaro e sua comédia de erros em terras tupiniquins.
Os “comunistas” por
aqui, os “americanos” por lá. O petróleo deles, a nossa Amazônia. A direita
corrupta na Venezuela, a esquerda corrupta no Brasil. A CIA no vizinho do
Norte, as ONGs interessadas nos nossos recursos naturais... Os elementos mudam,
os sinais se repetem. O conteúdo é diferente, a forma é a mesma.
Não é por acaso que
Bolsonaro e seu governo odeiam tanto o PT, da mesma forma que o PT odeia
Bolsonaro e seu governo. Eles são os dois lados da mesma moeda, são os opostos
que se tocam e se confundem no círculo político da radicalização ideológica.
Já escrevi neste blog
que para compreendermos o governo Bolsonaro não bastam as teorias políticas.
Precisamos de Freud tanto quanto de Maquiavel. O ódio do presidente messias ao
PT é, acima de tudo, a externalização daquilo que o define, das suas
características mais fundamentais. O ódio do PT a Bolsonaro é a projeção de seu
próprio modo de fazer política, identificado no governo do qual é oposição.
Bolsonaro e o PT não
são extremos distantes num continuum
imaginário de formas de fazer política. São extremos que se tocam em um arco que
se fecha em si mesmo. E como a incapacidade de fazer autocrítica é mais uma das
características que compartilham, há grande probabilidade de que passem quatro
anos atacando um ao outro, a despeito dos necessários debates sobre os grandes
problemas do país.
O problema é que,
como acontece em todas as guerras, é na cabeça do povo que caem as
bombas.
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