Uma das ferramentas
mais importantes para a eleição de Jair Bolsonaro foi o uso intenso,
sistemático e “profissional” das redes sociais. E esse uso, inclusive
financiado por grandes empresários, esteve muito associado à divulgação de
mentiras ou, como está na moda hoje em dia, fake
news. Essas coisas nas quais as pessoas parecem gostar, cada vez mais, de
acreditar.
Não sou do grupo que
tem ódio às ferramentas. Acredito que os instrumentos não são os culpados
quando as pessoas fazem uso inadequado deles. Não acho que a internet e as
redes sociais criaram hordas de imbecis e psicopatas de sofá. Eles sempre
existiram. O que as redes sociais fizeram foi dar-lhes voz, poder e
visibilidade.
Em sociologia utilizamos
o termo “paradoxos modernos” como instrumento analítico para pensar sobre essas
contradições entre as ferramentas produzidas pela modernidade (como projeto histórico)
e o uso que as pessoas fazem delas. Por exemplo, quando eleitores brasileiros
se utilizam da urna eletrônica (tecnologia aplicada à democracia) para votar em
um candidato cujo discurso e prática são condizentes com a política do século
XIX, temos aí um “paradoxo” entre a ferramenta disponível e nossa capacidade de
extrair dela o que de melhor ela pode dar em termos de “modernização”, da
sociedade e da política.
Ou quando uma mãe
utiliza um aplicativo de celular para localizar o endereço de uma benzedeira
para seu filho que está com dor de dente. Temos mais um caso de sobreposição
entre o instrumento (celular, GPS) que simboliza o auge do progresso
tecnológico, e uma prática social que reflete crença em magia e poderes
sobrenaturais, plenamente condizentes com a Idade Média.
Em essência, é o
mesmo que ocorre quando um sujeito, do alto de sua poltrona, utiliza um smartfone conectado às redes sociais
(auge do desenvolvimento tecnológico) para destilar ódio e agressividade a quem
tem opiniões diferentes das suas com tamanha selvageria que daria inveja a
qualquer sociedade pré-histórica.
E os “paradoxos” se
multiplicam. Somos uma sociedade que paralisa porque tem excesso de meios de
locomoção; uma sociedade que caminha a passos largos para a estupidez e a
ignorância, apesar de possuir, como nunca antes, meios de acesso ao
conhecimento; uma sociedade que nunca soube tanto sobre o ser humano e sua
diversidade, mas que vem sendo tomada pela intolerância e pelo ódio; uma
sociedade que planeja a ocupação de outros planetas para os próximos 200 anos,
mas joga lixo pela janela do carro ajudando a destruir o planeta onde vive hoje;
uma sociedade que discute o direito de robôs com inteligência artificial, mas
idolatra líderes que pregam a violência e o desrespeito às leis e aos direitos
do colega de trabalho que vive com valores diferentes.
Dito isso, gosto de
pensar que ainda é possível imaginarmos um mundo onde essas mesmas ferramentas
sejam utilizadas de forma mais responsável, mais crítica, mais “refletida”. E
aqui, inevitavelmente, passamos pelo campo da educação.
Não basta que as
pessoas tenham acesso às ferramentas produzidas pelo avanço da sociedade e da
ciência. É preciso que avance também nossa capacidade de pensar sobre esses
avanços, de refletir criticamente sobre sua produção e seus usos, como condição
para extrairmos deles o que de melhor podem dar à sociedade, ao planeta e às
nossas vidas.
Ora, se redes sociais
podem ser utilizadas para espalhar mentiras e mudar os rumos de uma eleição,
por que não poderiam ser usadas de forma mais digna, para disseminar
informações corretas, para refletir mais fielmente a realidade e ajudar, de
fato, as pessoas a tomarem decisões autônomas e responsáveis?
Por que as redes
sociais não podem, por exemplo, servir de instrumento para divulgar a toda a
sociedade o que realmente é feito nas universidades? Por que as pessoas não
podem conhecer, através dessas redes, os trabalhos de pesquisa, os projetos que
são desenvolvidos todos os dias por professores e estudantes? Por que grupos de
aplicativos não são utilizados para divulgar links de publicações científicas com resultados de pesquisas e
inovações tecnológicas?
Bem, em parte isso não
acontece pelo simples fato de que as pessoas não querem conhecer essas coisas.
Porque ler uma publicação científica demanda capacidade mínima de análise e
compreensão. E, também, porque requer que dediquemos algum tempo à leitura. E
hoje em dias as pessoas “não têm tempo”.
Afinal, se dedicarmos
uma hora de nosso dia para a leitura de um artigo científico, quantas fofocas
deixaremos de acessar no Facebook?
Quantas notícias com apenas duas frases deixaremos de ler e “nos informar”?
Quantas imagens (falsas, claro, mas isso não importa) de balbúrdia e de gente
pelada deixaremos de ver? Quantas novidades sobre a infantilidade das
celebridades deixaremos de acessar? Quantas fotos do Neymar deixaremos de
“curtir”?
Sob vários aspectos
as redes sociais são a antítese do pensamento crítico, da informação e do
conhecimento. Por que são avessas à reflexão, multiplicam a desinformação e
reforçam justamente as opiniões de senso comum. Nas guerras das redes sociais
não importa o que você sabe, importa apenas o que você “acha”. Não importa o
que você conhece ou o argumento que utiliza para defender uma posição; basta
ter uma opinião e alguns palavrões para xingar quem pensa diferente.
A mediocridade sempre
existiu. Mas as redes sociais lhes deram o status
de “conhecimento” e de “verdade”, projetando os medíocres e dando-lhes poder
que jamais teriam de outra forma.
Em referência ao
filme de divulgação do nazismo “O triunfo da vontade”, muitos autores
contemporâneos têm se referido ao tempo em que vivemos como o “o triunfo da
mediocridade”. Acho a expressão muitíssimo apropriada, além de autoexplicativa.
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