Como professor de teoria
política, de modo geral, tendo a preferir os clássicos. Não se trata de nenhuma
simpatia maior pelo “antigo”, mas de uma admiração pela sua capacidade de
perceber as coisas com amplitude e profundidade que é cada vez mais rara no
campo do pensamento.
Quando se trata da “política
real”, de sua dimensão empírica, minhas preferências não são muito diferentes.
Não jogo no time dos que julgam algo como “bom” ou “melhor” simplesmente por
que é “novo”. A condição de novidade nunca foi suficiente como atestado de
qualidade de coisa alguma, e com as formas de “fazer política”, obviamente, não
é diferente.
Pelo mundo afora de modo
geral, e no Brasil em particular, está na moda (e moda é a encarnação da ideia
de que o novo é bom só porque é novo) o discurso da “nova política”. Trata-se
de um conceito vago, que significa muitas coisas, sempre ao gosto dos que o
utilizam, em especial líderes populistas, hábeis em transformar as frustrações
dos eleitores com os mais diversos temas em apoio político-eleitoral.
Assim, a “nova política”
pode significar guinadas nacionalistas e xenófobas, como nos EUA, protecionismo
antiglobalista, como na Inglaterra, ou combate a corrupção e ao socialismo,
como no caso brasileiro. É especificamente ao nosso caso que quero me referir
hoje.
Roberto Schwarz, em um
belíssimo texto de 1972 (As ideias fora
do lugar), descreveu de forma muito precisa a capacidade brasileira de
distorcer ideias, modelos e teorias para que deem aparência de novidade a práticas
e hábitos culturalmente arraigados, sem transformá-los de fato. Foi assim que
produzimos intelectuais e políticos liberais ainda no século XIX, que conviviam
tranquilamente com a escravidão. É assim que produzimos, hoje, liberais de meia
tigela, que pregam o anarquismo na economia, mas são obcecados por controlar o
que as pessoas assistem na televisão, ou como vivem suas vidas e seus
relacionamentos afetivos.
Foi assim que o país elegeu,
para a Presidência da República, alguém que se apresentava como “novo”, como
diferente, como alguém “de fora do sistema”. O fato de ser deputado federal há
28 anos (sete mandatos), estar envolvido com o “sistema político” do país há
três décadas, ter passado por meia dúzia de partidos, fazer da política uma
atividade de família, eleger-se com apoio de milícias e utilizar os mandatos
para dar emprego e apoio aos seus líderes... São apenas detalhes, claro, que
nada diziam contra o discurso do “novo”.
Mas, afinal, o que há de
“novo” na política brasileira? Vejamos algumas coisas que mudaram... A
corrupção institucional, da promiscuidade com empreiteiras, foi substituída
pela corrupção miúda, dos empregos fantasmas e das “rachadinhas” nos gabinetes
parlamentares. O uso político e o aparelhamento das estruturas institucionais
foram substituídos pelo sucateamento dos Conselhos Nacionais, pelo
estrangulamento orçamentário dos órgãos de fiscalização, pelo esvaziamento das
instâncias de participação democrática, pela perseguição às universidades e aos
professores. O viés ideológico de atuação do BNDES no campo internacional foi
substituído pela submissão grotesca e humilhante ao trumpismo e o que ele
possui de pior. Os acordos pouco republicanos entre governo e empreiteiras
foram substituídos pelo uso mafioso das estruturas do judiciário e do
Ministério Público para fins político-eleitoreiros e projetos pessoais de
poder. O descontrole das contas públicas decorrente, em parte, das políticas de
combate a pobreza foi substituído por uma política aberta e escancarada de
extermínio dos pobres, seja por sua eliminação física com atiradores de elite,
seja por condená-los à morte pela miséria decorrente do abandono completo de
Estado.
A lista poderia continuar, e
tornaria o texto extenso demais para o espaço do blog. Mas acredito que a
“ideia” já ficou clara. Se há algo de novo na “nova política”, não vai além do
invólucro discursivo usado para embalar o que sempre houve de pior, de mais
autoritário, antidemocrático e retrógrado na política e na sociedade
brasileira.
De novo o atual governo não
tem nada além da sanha autoritária, da miséria de ideias e projetos, da negação
dos princípios básicos de civilidade e decência, do ódio ao diferente, do
desprezo pelos direitos humanos, do desejo escancarado de transformar o país
numa seita religiosa comandada por milícias.
A extrema esquerda sempre
compreendeu a política como uma “classe” que precisa ser derrotada em nome do
povo. A extrema direita a vê como uma casta que precisa ser destruída,
eliminada, em nome da moral e dos bons costumes, em nome da família e dos
“cidadãos de bem”. Ambas tendem, invariavelmente, a corroer as bases
fundamentais da democracia. A primeira pela cegueira ideológica. A segunda pelo
fanatismo moralista.
A extrema direita é
moralista por definição. Seu uso dos preceitos morais sempre se dá por meio de
um misto de messianismo e autoritarismo. A política e a democracia são vistas
como espaço de corrupção dos valores morais, que precisam ser purificados por
líderes imbuídos de inspiração e força divina. A democracia é o regime “dos
outros”, e junto com os outros, precisa ser destruída para que um novo modelo
seja edificado. Por isso a mistura entre política, religião e milícias é não
apenas aceita, mas enaltecida.
É claro que a democracia é
um regime que pode e precisa ser constantemente qualificado. É claro que a
democracia brasileira está entre as que mais precisam avançar, em todos os
sentidos. Mas isso não significa que qualquer mudança seja positiva, ou que não
tenhamos que lutar por aquilo que ela possui de bom.
Se a opção de nova política
é essa “que está aí”, não tenho qualquer dúvida de que prefiro a velha. Prefiro
a política que respeita as instituições, que vê na oposição os representantes
de ideias e projetos divergentes, não um inimigo que precisa ser exterminado.
Prefiro a política que vê no governo eleito a oportunidade de implantar um
projeto de nação, não um instrumento para perseguir quem pensa diferente e
transformar o país num campo de batalha ideológico.
Prefiro a política que
valoriza o debate, as negociações, as articulações em busca de acordos que
viabilizem projetos, não a que usa as estruturas do Estado como instrumento de
perseguição, de censura e de propagação do ódio. Prefiro a política que
respeita a separação dos poderes e leva os líderes corruptos ao julgamento
justo, não a que usa o Estado para dar abrigo a quadrilhas institucionalizadas,
alimentadas por projetos de poder e sustentadas pelo moralismo e a miséria
intelectual da população e a conivência da mídia.
Prefiro a velha política não
porque ela seja imune a desvios, falhas, imperfeições, corrupção e problemas de
toda ordem. Prefiro a velha política porque ela é pautada em uma
institucionalidade que permite que esses problemas sejam identificados e
corrigidos dentro do próprio regime. Prefiro a velha política porque, mesmo aos
trancos e barrancos, ela é capaz de resistir ao messianismo moralista e à
tentativa de conversão religiosa do Estado e de suas estruturas.
Enfim, prefiro a velha
política porque, mesmo dando ao país governos incompetentes e medíocres, ela nos
assegura a possibilidade de escolher outros nas eleições seguintes, porque não
prega a destruição da democracia e de suas instituições fundamentais, nem busca
o extermínio de quem propõe projetos alternativos.
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