sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O BOLSONARISMO CONTRA O BOLSONARISMO


Em outro texto deste blog, publicado no dia 24 de maio (https://ivannlago.blogspot.com/2019/05/as-bases-do-bolsonarismo.html), tratei das “bases do bolsonarismo”, de como ela se sustenta, como é mobilizada e como tende a encolher progressivamente na mesma proporção em que se radicaliza.

Não era uma previsão, nem um exercício astrológico de consulta ao futuro. Era apenas uma leitura do cenário político feita a partir do conhecimento acumulado pela ciência política. Apesar de estar fora de moda, a ciência possui ferramentas que nos permitem identificar padrões, aprender com eles e, então, deduzir e fazer projeções. E por mais que o bolsonarismo negue a ciência, suas descobertas e seus modelos, isso não muda o fato de que tais modelos ainda se aplicam ao bolsonarismo.

Pois uma das descobertas da ciência política, no que diz respeito aos governos autoritários, sustentados pela ideologia do ódio e pelas teorias da conspiração, mostra como o mesmo elemento que o sustenta é também umas de suas maiores ameaças.

Catapultado ao poder pelo discurso do ódio, da destruição do sistema e do ataque aos “inimigos” políticos, Bolsonaro precisa manter inflamada sua base de apoio. O problema é que essa base de apoio tende a diminuir à medida que o governo é incapaz de demonstrar resultados para além das bravatas com as quais se elegeu.

Como não há projeto de país, a radicalização do discurso, os ataques, a agressividade e as teorias conspiratórias se tornam a única opção para manter mobilizada a base social de apoio. E é aí que está o problema. Como escrevi em maio:

À medida que o presidente se concentra em criar e alimentar polêmicas, espalhar teorias da conspiração e incentivar ataques às instituições, alimenta e reforça o apoio do “núcleo duro”, mas afasta progressivamente os seus eleitores mais moderados.

(...) Quanto mais Bolsonaro se concentra em inflamar seu “núcleo duro” de apoiadores, mais perde apoio entre os demais segmentos que ajudaram a elegê-lo. A aposta é de alto risco e o presidente dá fortes indícios de subestimar o potencial destrutivo, para si mesmo e para seu governo, dos efeitos da estratégia que utiliza.

É o que acontece com todos os ditadores. Ao revelar sua incapacidade de cumprir o que prometeram, eles se concentram em uma militância cada vez mais inflamada de um grupo cada vez menor, mais fanático e mais próximo do ditador. E nesse contexto as teorias conspiratórias revelam sua face mais autodestrutiva: para se manter vivas, elas sempre precisam de conspiradores, que passam a ser vistos nos círculos cada vez mais próximos.

Sempre há conspiradores, e eles são vistos cada vez mais perto, entre os mais íntimos, até que sobre apenas o próprio ditador.

Como eu disse, não há bruxaria nem previsão de futuro. O que está acontecendo com o governo é a reprodução de uma tendência presente em quase todos os regimes de mesma natureza. As crises não são causadas pela oposição ou por movimentos externos. Elas nascem e se proliferam no interior do próprio governo, do próprio partido.

O que uniu políticos bolsonaristas não foi um projeto de nação, mas um aglomerado de projetos de poder, oportunismos e vaidades. Ocorre que, rapidamente, essas pessoas percebem que não há lugar para tantos egos nas estruturas do poder, o que torna inevitável a guerra aberta dentro do próprio grupo.

Conflitos, ataques, acusações, traições, boicotes, puxadas de tapete, não são uma crise passageira. É a natureza do regime se revelando. É tendência que só irá se intensificar. Enquanto o Congresso Nacional encaminha reformas e opera, na prática, como se o país tivesse um regime parlamentarista, o governo irá se afundar cada vez mais em brigas domésticas, polêmicas e ataques oriundos do seu próprio partido e dos grupos de apoiadores mais identificados com ele.

Fazer arminha com a mão, atacar a esquerda e difamar professores de filosofia serviu para conquistar votos. Mas não serve para manter unido os apoiadores de um governo que escancara diariamente a ausência de uma noção mínima de país e de gestão. Sobram as vaidades e os egos, que esfacelam a base de apoio em nome de disputas pessoais e interesses individuais.

Esse canibalismo é tendência identificada em quase todos os regimes autoritários. E seu controle demanda um governo forte, inteligente, capaz de atacar suas origens e controlar seus efeitos deletérios sobre o regime. No Brasil, contudo, o presidente e seus filhos são justamente os mais alucinados entre os canibais, o que torna muito difícil (para não dizer impossível) estancar a sangria.

As notícias de Brasília dão conta de um crescimento das apostas de que Bolsonaro não conclui o mandato. Como sou cientista e não astrólogo, não farei previsões sobre uma eventual interrupção no mandato do presidente. Mas há, sim, algumas coisas que podemos projetar (o que é diferente de prever) com certo grau de segurança. Dentre elas, podemos destacar uma:

As crises, no governo e no seu partido, continuarão e se tornarão cada vez mais intensas, mais viscerais e mais violentas. E virão de pessoas e grupos cada vez mais próximos ao clã Bolsonaro. Se o governo ruir será, de fato, por meio de uma implosão, pois será de dentro para fora.

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