De modo um pouco
simplificado, podemos dizer que Jair Bolsonaro foi eleito com os votos de dois
grupos de eleitores. O primeiro, que poderíamos chamar de “núcleo duro do
bolsonarismo”, é composto por uma militância de direita ideologicamente
fanática, moralista, truculenta, antidemocrática e orgulhosamente autoritária.
Nesse grupo estão: segmentos religiosos, profissionais ligados à segurança, uma
parcela do empresariado, pseudo intelectuais seguidores do guru da Virgínia,
liberais de Facebook, integrantes do
Ministério Público e juízes com complexo de super-herói.
Esse “núcleo duro” é
bastante estável, pois, apesar de tudo, se aglutina em torno de um conjunto de
convicções ideológicas comum. Adepto de teorias conspiratórias, esse grupo
acredita nas teses de seu “mito” de que tudo e todos agem para derrubá-lo e
para inviabilizar qualquer iniciativa de seu governo. Aí estão, por exemplo, os
militantes mais exaltados, que desferem ataques ao Congresso, ao STF, à mídia,
e que apoiam as investidas mais autoritárias do presidente.
O segundo grupo, que
foi o grande responsável pela eleição de Bolsonaro, é bem menos homogêneo. É
composto, em termos gerais, por pessoas de todos os segmentos sociais
descontentes com a situação do país, em especial com os escândalos de corrupção
associados aos governos petistas e que há anos dominam o noticiário e o
imaginário nacional.
Menos alinhados
ideologicamente, esses eleitores não compartilham dos devaneios do primeiro
grupo. O que os une é um sentimento difuso de descontentamento contra “tudo
isso daí”. Votaram acreditando no discurso do “novo”, do político que vem de
fora dos arranjos institucionais, do combate à política tradicional. Aí estão
desde o moralista ressentido que acha que direitos iguais para homossexuais é
um absurdo até o tiozinho do grupo da família no Whatsapp que prega tortura para quem fuma maconha.
No governo, Bolsonaro
rapidamente se concentra em agradar especificamente o primeiro grupo. Seus
discursos e suas iniciativas governamentais voltam-se cada vez mais para o
“núcleo duro” dos seus apoiadores. E à medida que o presidente se concentra em
criar e alimentar polêmicas, espalhar teorias da conspiração e incentivar
ataques às instituições (Congresso e STF em especial), alimenta e reforça o
apoio do “núcleo duro”, mas afasta progressivamente os seus eleitores mais
moderados.
Esses últimos não se
contentam com bravatas e discursos inflamados que só proliferam ódio e
ressentimento. Seu voto foi uma aposta em reformas que foram vendidas como
milagrosas, em políticas que fizessem o país retomar o crescimento, por mínimo
que fosse. Não estão preocupados em ir pra rua gritar contra o Congresso
Nacional ou contra os ministros do STF. O que esses eleitores querem é que o
governo simplesmente governe e que adote um rumo – vá lá – mais conservador do
que os anteriores.
Seus votos não foram,
necessariamente, votos em Bolsonaro. Foram votos contra o PT, contra Lula,
contra a esquerda, contra “tudo isso daí”. Não foram votos a favor da
perseguição ideológica, da crucificação de professores, do atropelamento das
instituições. Foram votos a favor de uma guinada à direita dentro do sistema.
E quanto mais Bolsonaro
se concentra em inflamar seu “núcleo duro” de apoiadores, mais perde apoio
entre os demais segmentos que ajudaram a elegê-lo. A aposta é de alto risco, e
o presidente dá fortes indícios de subestimar o potencial destrutivo, para si
mesmo e para o seu governo, dos efeitos da estratégia que utiliza.
A questão é que,
inclusive dentre os eleitores de Bolsonaro, a maioria não quer apedrejar o
professor de história do seu filho, não quer invadir o Congresso Nacional, não
quer arrombar as portas do STF com um soldado e um Jeep, não acha que comprar
um fuzil de assalto vai tornar sua vida mais segura, nem acredita que o
presidente é guiado por Jesus para salvar o país dos comunistas.
A maioria desses
eleitores só queria um governo diferente, que viesse de fora dos núcleos
tradicionais da política do país (por que acreditaram que isso aconteceria, já
é outra história). E, assim como a maior parte dos demais brasileiros, uma
parcela crescente desses eleitores de Bolsonaro está assustada, insatisfeita,
preocupada e pouco disposta a ir pra rua dar sustentação ao circo de horrores
que o governo rapidamente se tornou.
Já se foram cinco meses
desde a posse. Mas Bolsonaro ainda não começou a governar, e não dá indícios de
que pretende – nem que sabe – fazê-lo. Optou por continuar em campanha
eleitoral, e parece que é assim que pretende seguir. Se o fizer, continuará
perdendo apoio. E esse encolhimento de sua base de sustentação não se dá apenas
entre os eleitores. Ela também se espalha no Congresso, entre os empresários e
até mesmo no meio militar.
É o que acontece com
todos os ditadores. Ao revelar sua incapacidade de cumprir o que prometeram,
eles se concentram em uma militância cada vez mais inflamada de um grupo cada
vez menor, mais fanático e mais próximo ao ditador. E nesse contexto as teorias
conspiratórias revelam sua face autodestrutiva: para se manter vivas, elas
sempre precisam de conspiradores, que passam a ser vistos nos círculos cada vez
mais próximos.
Sempre há
conspiradores, e eles são vistos cada vez mais perto, entre os mais íntimos,
até que sobre apenas o próprio ditador.
Esse movimento se
acelera no governo Bolsonaro. Incapaz de governar – pois Deus parece estar
ocupado com coisa mais importante do que guiar nosso presidente – ele depende
cada vez mais das hostes de fanáticos para dar-lhe sustentação. Para manter
essas hostes inflamadas, ele precisa polemizar cada vez mais, radicalizar o
discurso e a prática, ideologizar todas as dimensões do governo.
Mas há, aí, um
problema. Quanto mais o governo se radicaliza ideologicamente, menor se torna o
número de fanáticos dispostos a segui-lo. O crescimento do fanatismo se dá,
nesse caso, paralelo à diminuição dos fanáticos. E se a lógica não for
abandonada, não tardará o momento em que esses serão em número insuficiente
para segurar a tenda do circo em pé.
Um ano depois. E parece que o texto foi escrito hoje. Parabéns!!
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